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terça-feira, 29 de maio de 2012

Sobre o tempo






- Anda, vamos, pegue seu relógio! Tenho pressa e preciso ir embora! - você disse com o olhar desesperado e a voz arranhada, sem pausas.
- Eu não quero ir.
- Anda, vamos, pegue seu relógio. Você não quer tempo? O relógio tem, eu não.
Enquanto descíamos onze andares, os nossos passos iam se intercalando, ecoando nas paredes acinzentadas e geladas daquela escada.
- Para.
- Anda, vamos.
- Eu não quero seu tempo.
O ar congelou por dois segundos e voltou logo em seguida, como quando volta aos pulmões de alguém que parou de respirar por um momento.
- O quê?! - você disse ao parar e, quase indignado, franzindo a testa.
- Eu não quero e nem preciso do seu tempo. Ele é seu. Eu quero que você o compartilhe comigo. É tão difícil assim?
- É! - você gritou baixinho, antes mesmo que eu terminasse minha pergunta.
Silêncio. Eu não esperava uma resposta tão rápida.
Sabe quando você toma coragem para falar o que pensa e depois que fala, se ouve, e vê o tanto que aquilo soou estúpido e ridículo?
- É assim tão difícil porque com o tempo vem um laço; com um laço, vem um compromisso; com o compromisso, vem a escolha; com a escolha, vem a idade; com a idade, vem a rotina; com a rotina, vem o cansaço e com o cansaço, nós morremos. E o luto dói.
Não soube responder. Me calei e apertei meus olhos que começavam a chover.
- E depois de trinta e quatro anos, eu ainda não aprendi que o luto é só questão de tempo.
- Você é tão desiludido. - eu disse tentando engolir a mágoa.
- E você é tão iludida.
- Se minha percepção é distorcida, que seja! - eu reagi. Eu vejo você e meu coração responde. É como se quisesse conversar com o seu. E você aí, letárgico.
Nenhum de nós aumentou o tom de voz. Nem sequer uma vez. Conversávamos fitando os olhos intensamente, e como numa música com letra sombria e melodia contente, continuávamos ignorando a distância de um passo que já estávamos um do outro. O único barulho que eu conseguia ouvir agora era o da sua respiração.
- Não me deixa ir embora. Eu quero ficar.
- Não.
- Me pede para ficar.
- Não posso.
- Me beija. Se comprometa. Amarre seus laços na nossa rotina. Morra de cansaço comigo.
Nessa hora, coloquei o relógio em suas mãos e você o deixou cair. Você assistira o tempo se quebrar em câmera lenta. Como num piscar de olhos, você se abaixou e catando os pedaços, sussurrou:
- Anda, vamos, pegue seu relógio. Tenho pressa e preciso de você.

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